quarta-feira, 22 de julho de 2015


Cinco dedos, cinco pincéis, cinco deuses. Uma virgem.
A página esbranquiçada foi iluminada por Ártemis e Zeus saiu do polegar penetrando Hera que se lhe oferecia seminua, no médio; Ares gerou-se no ventre do anelar e sentiu o maior prazer em apreciar a dor do parto.
Tranquilamente, o indicador deslizou num traço só e Apolo iluminou a madrugada repleta de odores lascivos , embrulhados no corpo de uma Afrodite que uivava, num dedo minúsculo, de prazer.
Os cinco pincéis lutavam, numa fúria desordenada, lançando tintas multicolores, com a caneta que queria registar o nascimento de um Olimpo indescritível.
A folha branca foi-se confrontando com uma imensidão de letras mescladas nas cores e dando forma ao impulso dos dedos que não paravam de bailar, saltar, entrelaçando-se como serpentes e os esboços iam e vinham, ora com nuances prateadas ora cor de fogo, ora implorando um descanso desmedido. A intriga destes pincéis que se metamorfoseavam  em caneta alucinada na corrente da escrita tornava-se inquietante para uns dedos que desvairados giravam em rodopios de pontas, paragens inertes, corridas desenfreadas, murmúrios sibilantes, desejos incontroláveis, voltas e mais voltas, riscos e mais riscos, pausas e mais pausas, interlúdios carnais... partos sofridos, corpos extenuados, almas perdidas na espuma do amanhã.
Os raios ténues de um sol tímido rasgaram a cortina de algodão e penetraram nos meus olhos obrigando-os a abrir. Senti um arrepio de cansaço e pulei da cama à procura dos meus dedos, dos meus pincéis, da minha caneta e ...
O meu corpo não me obedecia, agitando-se numa sensação de aperto descontrolado, agitando as almofadas,  as cortinas, os papéis amontoados na secretária. De repente um grito lancinante saiu  das minhas entranhas e senti um alivio quando a encontrei. Estava ali. Na parede. A um cantinho, do lado inferior direito: cinco dedos, cinco pincéis, cinco deuses, uma virgem.
A alvura da folha estava repleta com uma aurora polar.

Arménia Madail, Julho de 2015

quarta-feira, 8 de julho de 2015


E tão só ficamos.
No limiar da loucura procuramos um mundo interior que nos leve ao delírio da intensa ansiedade do viver.
E o delírio responde-nos com a solidão das sombras: caladas, anestesiadas, entorpecidas pelos tempos. 
E os rebuscados encantadores de uma magia possível perfura, à força, a entrada na diáspora do eterno caminho para o éden de u sonho que não se realizou. 
É lá no fundo das trevas que ficamos tão sós.

08/07/2015