quinta-feira, 26 de junho de 2014

A neta e a avó



DESAFIO: "77 palavras sem a letra A"

O tempo que esperei por ti!
Creio que esqueceste o mundo em teu redor e fugiste. Escondeste teus vislumbres no fundo do céu nublado, cheio de cumulus e queres que todos fiquemos no escuro do teu remorso. Vem! Os frutos impelem pelo teu esplendor e eu quero e preciso do teu brilho que destine o meu trilho. Vem e socorre os rebentos sedentos. Vem e diz-me que queres subsistir, persistir e prescindes do teu esconderijo. Vem SOL!

Arménia Madail


Desafio com palavras selecionadas

Caramelo fugiu quando ousou xingar a Abelha. Esta enamorara-se do Jacaré não admitindo ironias. O seu amor era um livro aberto. Naquela tarde, os nenúfares vertiam pólen fazendo ruborizar quem quisesse acariciá-los...A abelha ziguezagueou, tremeu e enterrou o ferrão, quando Caramelo surgiu de mansinho gritando: “Miauuuuuuu! Nessas flores não pões a unha; o doutor não te vai valer!” O Jacaré saiu do botão da flor, sustendo-o, imobilizou-o, murmurando: “que fugir ou levas um grande pontapé!

Arménia Madail, in 77 palavras



Desafio com a palavra NÃO catorze vezes.
 


Não! Não!

“- Não! Não e não! Já disse que não! Não quero que apanhes sol!” – a mãe não gostava que eu me sentasse no quintal à espera deles porque, dizia ela, o sol fazia-me mal. Mas eu não queria perder aquele baile: os boeiros, as poupas, os melros... não desperdiçavam uma única semente: saltitantes, atarefados – parecia que não teriam outro manjar. Não se importavam por ter companhia; não se inibiam e não deixavam de depenicar...
“- Não! Não! Sai daí!”
Arménia Madail, in 77 palavras

DESAFIO: Uma folha de papel é amarrotada com violência
e atirada para o lixo. Contudo, cai fora dele.

Aquelas palavras penetraram no meu corpo com dolorosa paixão. Palavras tão doces que ele escreveu! Senti-me lisonjeada, mas preocupada: sabia que ela não o olhava como ele queria; que, ainda, não sentia o que ele sentia.
Aqueles óculos grandes! Será que não percebeu que pode mudá-los por umas lentes e mostrar aquele imenso mar que transborda das suas pupilas?
Aquelas belas palavras!
Foi por isso que me recusei a ir para a papeleira. Ela vai encontrar-me e ler-me...

Arménia Madail, in 77 palavras
DESAFIO: dois objetos conversam

O Espanador e o Livro
- Ufa! Passou aqui um furacão! Há muito que o Espanador não me visitava. Como está?
- Bem, obrigado. Passei para ver como estava e reconheço que quando o vi o achei um pouco adoentado.
- Pudera! Há três semanas que não sou visitado; ninguém me pode agarrar, abrir, ler...
- Mas agora que cheguei, como se sente?
- Mais reconfortado e feliz!
- Acho-o mais vivaço, sr Livro. As suas letras brilham e encantam as crianças. Olhe para elas. Que contentes estão!

Arménia Madail, in 77 palavras


CARTA DE DESPEDIDA DESAFIO DO CLUBE DOS PROETAS

Hoje, tolero a dor e envio-te as minhas últimas palavras.
Sei que não será fácil leres, mas escutá-las seria bem pior.
Quero dizer-te que a minha chegada, apesar de turbulenta - como tu dizias – veio dar um alento na tua vida de quarenta e cinco anos e que foste a primeira mulher com quem dormi; a primeira que beijei; a primeira a levar-me à escola; ao liceu e ao hospital. Sei que de todas essas vezes te rolaram pela face gotas escondidas que desaguavam na tua boca porque rias para eu não as ver. Vi-te arrancar da garganta palavras carinhosas e de consolo quando as querias amarfanhar e gritar a tua dor. Escrevo-te porque não me ouvirás mais e quero dizer-te o quanto me orgulho de ti, da tua persistência em me olhares com tanta ternura e que tanto me doía. Quero acreditar que não me culparás por te deixar. Deixo-te para aliviar o sofrimento: o teu e o meu. Quero que sorrias no dia do meu funeral, quero que sigas a tua errância com o teu sorriso, confiante que um dia voltaremos a estar juntos.
Um beijo.

sábado, 14 de junho de 2014




DESAFIO XXXI - O meu estado de alma

Quando entrei e te vi o meu coração disparou, sem sossego, durante segundos que pareceram uma vida inteira. Na penumbra da sala, entre os cortinados esvoaçantes, entrava uma luz ténue de uma lua surpreendida – como eu – Os pés iniciaram, a medo, uma investida até ti. Quanto mais me aproximava mais tu te afastavas. O ritmo da minha marcha tornou-se estático, na esperança que a tua presença não desaparecesse. E a lua que não parava de espreitar! Parecia querer ser testemunha do nosso reencontro. Parada, em êxtase, recebi-te de alma aberta. Sabia que era por pouco tempo, mas não quis perder-te, mais uma vez. E deixei que te apoderasses do meu corpo e que rebolasses nos trajetos mais íntimos do meu ser. E senti-te. Muito perto. Tão perto que te ouvia sussurrar todas as palavras de amor que há muito não ouvia. E quando me preparava para te devolver as minhas carícias, a lua escondeu-se nas nuvens e tu desapareceste com ela. Nem imaginas o meu estado de alma!

domingo, 8 de junho de 2014


Texto baseado num Nome.



Henrique Guerreiro


Maria e Antero desejavam um filho a todo o custo. Um dia, pela aurora, um choro apagado ecoou pela viela, ladeada de roseiras, e os pirilampos que nelas estavam poisados esconderam-se, assustados com tal som nunca ouvido naquela planície, naquela viela, naquela casita.
Uma criatura, enfezada, que mais parecia um coelhinho, disparou do ventre de Maria. Antero amparou – o  e, trémulo, amedrontado, aconchegou-o ao seu peito. Maria sorriu,  pôs de fora o seio e alimentou-o, enquanto Antero pensava num nome a dar àquele, há tanto esperado. “-Henrique! Sim, vai chamar-se Henrique. Henrique Guerreiro!” E Henrique Guerreiro ficou.
O rapaz foi crescendo e fortalecendo e tornou-se um belo homem: olhos rasgados da cor do mar que desaguavam numa pele trigueira e no peito oferecia um coração a todos. Antero e Maria envelheciam embevecidos com o seu menino. Menino que guerreou com a morte  que aos seis anos o quis levar, depois de uma febre de um mês, de uma doença maldita, de uma pequena vida sem esperança – dizia o médico. “Henrique Guerreiro, o nosso filho, Maria! Olha para ele. O nome foi bem escolhido. Henrique, um rei e Guerreiro, um lutador!”
Maria suspirou e apoiou a sua cabeça no ombro de Antero.