terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

sexta-feira, 11 de setembro de 2015


E é assim: vamos ao circo.
Ver o quê?
Os palhaços ricos. Os palhaços pobres. Vamos rir muito!
E os malabaristas? E os trapezistas?
...e os ilusionistas!
Há elefantes brincalhões?
E cãezinhos equilibristas.
Quando vamos lá?
Amanhã à tarde.
Há cavalos voadores?
E meninos sonhadores.
Vou gostar de ver. Nunca vi nenhum.
Nenhum menino sonhador?
Um circo verdadeiro.
Um circo verdadeiro.
Comemos um gelado? Bebemos uma coca - cola? Ou compramos pipocas?
Tudo que quiseres, meu amor!
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Encontrei a tranquilidade  no dia em decidi enfrentar a tua perda. Sim, a tua perda havia-me tirado a tranquilidade. Desejei muitas vezes atravessar aquela porta do vão das escadas que levavam ao sótão. O sótão onde os nossos lábios se tocavam, onde nos namorávamos com medo que o mundo desabasse e nunca mais nos encontrássemos.
Hoje voltei lá. Calmamente abri o baú onde repousam as tuas cartas. Cartas de eterno amor. Cartas de eterno amor que me davam o alento para suportar a tua ausência.  Maldita guerra que me roubou a tua presença. E hoje, hoje a tua ausência é mais prolongada. Não esqueças amor: dentro em breve, muito em breve estarei de novo contigo. Tive que vir aqui. Tive que reler as tuas promessas de que me abraçarias num abraço longo até sempre. E foste embora tão devagar... Sabes o que encontrei? Aquele elixir! Aquele, sabes? ... acabei de o tomar e adormecidamente escrevo para te dizer: estou a chegar!

Lembro-me perfeitamente. Todas as quintas feiras, às três da tarde, a campainha de casa dos meus avós fazia-se ouvir interruptamente. A figura franzina de Mlle Claire entrava em passos silenciosos deixando ouvir lá ao fundo um “Boa Tarrrde!” e dirigia-se à sala de música onde eu a esperava no banquinho em frente ao piano. Levantava-me para me debruçar numa vénia e voltar a sentar.
Todas as quintas feiras tinha de ouvir: Attention! C’est le Si, pas le Fá. E os dedos de Mlle pousavam em cima dos meus. Fechava os olhos e franzia a testa de modo a não ouvir o estalido daquelas enormes unhas de gelinho. Os dentes pareciam arrepiar-se como se areia estivessem a trincar.
Certo dia, depois de muito treinar consegui compor uma música e apresentá-la a Mlle Claire.
E  chegou numa quinta feira, às três da tarde e lá estava eu sentada para fazer a minha apresentação.
Desta vez, Mlle Claire sentou-se ao meu lado, no banquinho e comecei: dó, dó, dó, ré, ré, ré, mi. mi. mi .fá, fá, fá, sol, sol sol, lá si, si, si... Repeti estas notas vinte e sete vezes. Quando acabei, levantei-me. Fiz uma vénia de agradecimento. Os meus olhos calados, sorridentes e trémulos de ansiedade procuraram as mãos de Mlle. As mãos não estavam pousadas no colo e, atrevidamente, ousei erguer mais a cabeça. Qual não foi o meu espanto - havia conseguido: as unhas de gelinho que tocavam nas minhas mãos levando-as às teclas do piano estavam a desfazer-se. O decoro de Mlle Claire caíra. Entre um sorriso e um esgar de medo reparei que Mlle havia roído as unhas qual fora o desespero daquela minha ária.



terça-feira, 18 de agosto de 2015



Coloquei saia e casaco cor púrpura a seguir a uma blusa de seda imaculadamente branca. Olhei-me no espelho dando um toque no cabelo que se desalinhara e retoquei, com  bâton, a linha correta dos lábios que me realçou a minha feminilidade. Dirigi-me ao elevador e entrei no carro a caminho do Sheraton, onde começava o turno da tarde, depois de umas reconfortantes férias.
Roma era uma cidade de encantos e recantos românticos e sentia-me sempre bem em voltar a casa.
O frenesim do telefone (re)começou; os hóspedes não paravam de chegar; as crianças lançavam no ar gargalhadas...
Triiiiiiiiiiim...Triiiiiiiiiiiiiim...
-Estou, sim. Hotel Sheraton, boa tarde!
- Quarto 505. Quando é que trazem a champagne pedida há cinco minutos?
“Quarto 505? Há cinco minutos? Quem será que está tão frenético que não pode esperar?
Verifiquei na plataforma o utente e...meu Deus! A banda de rock... a melhor banda do momento está hospedada na suite 505...”
- Um momento, por favor. Ser-lhe-á enviada imediatamente. Peço desculpa pelo atraso.
- Trimmmmmm...
- Hotel Sheraton, boa tarde! (...)
- 505, novamente. Queríamos uma toalha de banho, uns chinelos de quarto  cor de rosa, e espuma de banho.
- (...?...) Sim. Enviarei imediatamente.
- Hotel Sheraton, boa tarde! (...)
 Uma voz estridente fez-se ouvir do outro lado do telefone.
- Quero uma limousine para nos levar ao centro da cidade, máscara venezianas, casacos de  vison... Sairemos assim que nos entregarem  o pedido.
- Tentarei satisfazer o seu pedido. As máscaras  venezianas, poderão ser substituídas por máscaras romanas?
- Claro que não! Têm de ser  de Veneza.
-Terá de compreender que é deveras um pedido demasiado bizarro..., mas tentarei satisfazê-lo.
Desliguei. Estava irritada com tais exigências. Pedi ao meu colega que me substituísse e tratei de ser eu mesma a recolher todos os “desejos” daquela banda louca.
Bati na porta da suite 505; entreguei um pacote embrulhado em papel de manteiga com um laço feito de cordel.
- O seu pedido. O veículo está estacionado na frente do hotel. Quando quiser é só descer. E não admito reclamações – disse com voz melada a tender para malcriada.
A banda desceu. As máscaras  de papel recortado de revistas e os casacos multicolores adquiridos nos perdidos e achados do hotel fizeram a diferença. Ninguém reparou que estava a sair a melhor banda de rock do momento. O Fiat seiscentos que os esperava arrancou e mais tarde o espetáculo começou.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

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Maria Arménia Madail da Silva_2015

- Que aconteceria se eu licitasse?
- Queres saber? Salta e logo verás.
- Que pensas? Crês que não sou capaz? E é já! Aquela peça faz-me lembrar alguém e – imagina só - deixa-me excitado e sem medos.
- O preço é alto! Cuidado!
“- Dois milhões, um; dois milhões, dois; ... dois milhões...três!
Aquela peça fez turbilhões na minha mente: de onde a conheço? As sombras das mulheres que passaram na minha vida desfilaram na escuridão dos meus sentidos.  Uma delas parou um instante na minha frente: silhueta de uma adolescente com um corpo já perfeito; seios a apontar; cabelos lisos e revoltos num vento que não se fazia sentir; silhueta de vestido esvoaçante e transparente oferecendo um sim; silhueta que me deixou entrar e eu entrei: no seu corpo...;
- ...?
- ...
- Então? Estás louco?
...na mão ... na mão...
- A peça em leilão vai para o Dr. Carlos Armand! Parabéns!
-...?  Para mim? Não! O gesto foi irrefletido. Gostaria imenso de a adquirir, mas não. Não tenho esse valor!
“Meu Deus! Deixei-me envolver entre uma hora e outra e deixei o relógio parar.”- pensou em voz alta.
- Sim, é verdade!  - sussurrou uma voz na sua orelha! – Assumo a licitação. A peça será minha.
Parei no rescaldo da convalescença da NOSSA pequena história: o primeiro encontro, o primeiro toque, o primeiro beijo e a caixinha de música de porcelana que caiu  da sua mão e mergulhou silenciosamente no lago e lá ficou esquecida!
Olhei para trás e vi uma senhora de cabelos grisalhos e um olhar cor do céu. Quem será? Quem quis ficar com aquela peça, também? Não. Não pode ser! Ela já morreu...
_ Carlos! Estás bem?
- ...???
-  Carlos!!!
- Viste? Era ela! Era ela! A Susana! A que pagou a minha licitação! Onde se escondeu?
- Não, Carlos! Muito parecida, mas muito mais jovem...